sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Cerne campeiro

CERNE CAMPEIRO


Venho ao tranquito
Estropiado de lonjura
Com a anca e a paleta dura
De tanto amaciar estrada
Mas não troco isso por nada
É a sina que o Patrão me deu
O xucrismo, que não morreu
Abraço com um sorriso largo
Ofereço outro mate amargo
Porque o primeiro sempre é meu

Quando me cerceiam o caminho
O brete chega mais cedo
Vou direto ao chinaredo
Dar vertente às minhas ânsias
Nessa vida de inconstâncias
O pouco é tudo que tenho
Mas sou defensor ferrenho
De tudo aquilo que é meu
E o que o Patrão velho me deu
Eu cuido e nunca desdenho

Pra quem me viu nas invernadas
Sou gado lambendo o sal
Num jeito xucro e bagual
No peitaço e no encontrão
Emborco o cocho no chão
Não tenho medo de espora
E quando é chegada a hora
Encaro tudo de frente
Eu sei o que o bicho sente
E o que é pra ser feito, eu faço agora

Meu Trinta é meu amigo
A Prateada é minha madrinha
De vez em quando desembainha
E se engraxa num churrasco gordo
Picanha e costela que com vontade mordo
...Mas agora me bateu o cansaço
No campo dei um vistaço
E preparei um chimarrão a capricho
Porque às vezes sou tipo bicho
Coiceio o vento e me desvio do laço

Me perguntaram quem eu sou
Mas pra quem conhece um pouco da história
Sabe que o gaúcho tem glória
Não pela gravata colorada
Mas pela luta obstinada
E por sua perseverança
Mantendo viva a esperança
De tudo dar certo no fim
Mas se ainda não ocorreu assim
É porque ainda tem música pra essa dança

Sou mangueira de pedra moura
Sou palanque enraizado no chão
Meu amigo é meu irmão
Sou cerne campeiro de fato
Me orgulho de todo ato
E da bravura do povo farrapo
E até hoje, quando vestido com um trapo
Me transcendo àquela época de glória
Trago no sangue a história
E o orgulho de ser gaúcho guapo.


Leandro da Silva Melo

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Chimarrão, seiva platina

CHIMARRÃO, SEIVA PLATINA


Ao sorver lentamente meu mate
Apreciando cada gole sorvido
O silêncio arrebatando o ouvido
O farfalhar das folhas ao vento
Dos pássaros, o cantar pacholento
Lá longe, o latido do cusco
No mirar a erva, ofusco
Mil pensamentos mau-vindos
E sirvo outro mate, sorrindo
Na esperança de encontrar o que busco

Cada cuia é um universo
Inerte e bem cuidado
Com entrada por um dos lados
Em sua gruta finita
Profundezas do mar, imita
Com seu verde escalonado
Em cima, um campo brotado
Por dentro, esmeraldas brilhando
Como que te convidando
Pra explorar o inexplorado

Um gosto de mata nativa
O cheiro de orvalho na folha
Na tua espuma, mil bolhas
Remetem a universos perdidos
Lugares, talvez inseridos
Em constelações distantes
Que só aos olhos dos amantes
São notadas na noite escura
Num rito de amor e de cura
Na magia de estrelas errantes

Permitas, então, que eu viaje
Enquanto sorvo tua seiva
Imagino, assim, cada leiva
De mata que foi mexida
Cada raiz inserida
Na terra, pampa sulina
Sugando da tua sina
Puxando pra fora tua história
Bebendo da tua glória
Heranças da terra platina

Meu chimarrão bem cevado
Com a água quente da fonte
Que tuas histórias nos conte
Com folhas, talos e raiz
Serei teu eterno aprendiz
De tudo aquilo que vistes
Das conversas que ouvistes
Nas rodas de mate no passado
E de tudo o que nos foi legado
É o mais popular que existe

Nas horas mais alegres
Ou debaixo de tempo feio
Servindo sempre de esteio
Pra acomodar o vivente
Que mesmo estando doente
Te prepara com ervas e chás
Sabendo que em ti encontrará
Pela velha medicina campeira
Remédio pra vida inteira
Que sempre em ti existirá.


Leandro da Silva Melo





sábado, 27 de outubro de 2012

Não te acadela, vivente!

NÃO TE ACADELA, VIVENTE!

Faz tempo que o pensamento
Me esgrima num desaforo
Mas quem distingue boi de touro
Conhece a lida de campo
E não se perde de encanto
Por amigos de meia boca
Que por coisa muito pouca
Te deixam num entrevero
E pra correr são os primeiros
Numa disparada louca

Depois falam dos queras
Crias do meu Rio Grande
Mas onde quer que se ande
Se encontra gaúchos de fato
São homens e não são ratos
No teor da dignidade
E fazem jus à amizade
E te apoiam até o fim
São adeptos do sim
Palanques firmes de hombridade

É triste ver os parceiros
Se acadelando atrás do toco
E é coisa que me deixa louco
Ver a falsidade se dando bem
E a vontade que se tem
É de baixar o mango no lombo
Ficar escutando o tombo
E a disparada dos demais
Deixando os outros pra trás
Como revoada de pombo

É nessa hora vivente
Em que aperta o nó da corda
Que tu vê saltar pras bordas
A verdade de cada um
Começa com um pequeno pum
E se escancara com uma borrada
E são esses bunda cagada
Que se intitulam teus amigos
Só olham pros próprios umbigos
E não se importam com mais nada

Mas, às vezes, até que é bom
Tu passar por provações
Pois as reais intenções
Contidas pelos covardes
Emergem sem grandes alardes
E tu separa o joio do trigo
Reconhece os verdadeiros amigos
Te desfaz do que não presta
E abraça mais firme o que resta
E leva embora contigo

Por isso agora eu venho
Declarar aos meus parceiros
Contem comigo por inteiro
Em qualquer situação que ocorra
Se der morte, que a gente morra
Mas vamos juntos, de forma descente
Pois amigo meu é minha gente
E seguiremos junto peleando
E a todos eu vou gritando:
Não te acadela, vivente!


Leandro da Silva Melo


sábado, 20 de outubro de 2012

Foi assim que aprendi

FOI ASSIM QUE APRENDI


Hoje tem tanta besteira
Que chega dar nojo no vivente
É como uma lavagem na mente
Batendo sempre no mesmo compasso
Tilintando como ferro no aço
Querendo criar uma nova verdade
Transfigurando a realidade
Fazendo da exceção a regra
Esquecendo que taura não se entrega
E nosso credo não está debalde

No tempo que era criança
Ficava até tarde na rua
Meu horário limite era a lua
Quando escurecia a mãe chamava
E a gurizada então dispersava
Não tinha mensagem, nem celular
Porque o combinado era voltar
Assim que a mãe chamasse
E ai se eu não voltasse
E fizesse ela ir me buscar

Hoje em dia a família pena
Não existe respeito por nada
Ninguém domina a gurizada
Que fica na rua até altas horas
E só decidem ir embora
Quando cansam de vadiar
E mesmo assim se põem a gritar
Pelas ruas e avenidas
Como que somente suas vidas
Pudessem no mundo importar

Fui criado diferente
Respeito à mãe e ao pai
E sem dizer muito “ai”
Escutando mais que falando
Aprendendo e me esmerando
Com a vida ensinando o caminho
Devagar, reto e certinho
Sem reclamar do destino
Apurando sempre o tino
Fazendo da água o vinho

Hoje vejo muita frescura
Só falam de bullying e assédio moral
O Top é ser bi ou homossexual
O mundo virou de ponta-cabeça
E eu digo, pra que ninguém esqueça
Pau que nasce torto morre envergado
Coisas que vejo hoje, fico envergonhado
Meninas de boca suja se acham as tais
Perderam a inocência e os preceitos morais
Má educação e vadiagem vão lado-a-lado

A gente botava apelido nos outros
E eles nos apelidavam também
E isso nunca matou ninguém
Porque aceitávamos a brincadeira
Ríamos da turma inteira
Porque a amizade era sincera
Hoje a gurizada se enterra
Levando uma vida virtual
Nem sequer conhece o quintal
E nem sabe o que é brincar na terra

Levam armas pro colégio
Ofendem professor e colegas
Vivem num mundo às cegas
Se achando personagem de jogo
Acabam se queimando no fogo
Do próprio inferno criado
Solitário e mal-amado
Cheios de problemas sociais
Culpando seus próprios pais
De não terem os educado

Vivemos num mundo assim
Tão diferente e tão mudado
Recordo do meu passado
De guri brincando na rua
No sol forte ou sob a lua
E até hoje estou aqui
Firme e forte, pois senti
As experiências no viver a vida
com respeito e amor à lida
pois foi assim que aprendi.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Alma xucra (xote)

ALMA XUCRA
(Xote)


Por onde passo deixo rastros de saudade
Na trilha funda que fecunda nosso mundo
Belas histórias renegadas pela idade
Mas que marcaram nossa alma lá no fundo
Belas histórias renegadas pela idade
Mas que marcaram nossa alma lá no fundo

É pátria livre que trazemos na lembrança
Tempos de outrora vivenciados pelo pago
Na água xucra me benzi desde criança
E o ardor da guerra ainda no meu peito trago
Na água xucra me benzi desde criança
E o ardor da guerra ainda no meu peito trago

No meu rincão, cada vez que lá retorno
Me bate forte a saudade no meu peito
Lidas de hoje que aos poucos eu transformo
Em pensamentos de um rincão de outro jeito
Lidas de hoje que aos poucos eu transformo
Em pensamentos de um rincão de outro jeito

Tempos de outrora que há muito lá se vai
No bate casco de cavalos pela estrada
Minha alma xucra em tropilhas ainda sai
Num trote seco ou em marcha figurada
Minha alma xucra em tropilhas ainda sai
Num trote seco ou em marcha figurada

Minha alma xucra em tropilhas ainda sai
Num trote seco ou em marcha figurada

Minha alma xucra em tropilhas ainda sai
Num trote seco ou em marcha figurada.


Leandro da Silva Melo

domingo, 30 de setembro de 2012

Meu legado

MEU LEGADO


Não sou poeta
Nem escritor
Sou apenas um tradutor
De tudo aquilo que sinto
Falo a verdade e não minto
Às vezes disfarço um fato
Para que no meu relato
Pessoas não se incomodem
Pois ao ver a verdade, elas podem
Não gostar de ver seu retrato

Eu penso tudo que escrevo
Mas não escrevo tudo que penso
E se um dia alguém fizesse um censo
Perguntando qual dom tu querias ter
Com certeza todos iriam dizer
É o de ler o pensamento
Pois assim como sopra o vento
Mudando de lado a biruta
A cabeça de cada um é uma gruta
Que não conhecemos nem meio por cento

Gosto de escrever uns versos
Num velho estilo campeiro
De janeiro a janeiro
Quando me dá inspiração
São palavras do coração
Algumas bonitas, outras fortes
Mas, se contar com alguma sorte
Sai uma poesia das mais lindas
Daquelas que não são findas
Nem mesmo depois da morte

Este será meu legado
Palavras do pensamento
Descrevem cada momento
Que passei por esse mundo
Marcas que riscaram a fundo
Pessoas que mal conheci
Porque por mais tempo que se passe aqui
Ninguém conhece ninguém
E se nos encontrarmos no além
Talvez não lembre que um dia te vi

Mas o nosso mundo é agora
É aqui que temos consciência
E que devemos ter paciência
Pra viver a vida de fato
Os momentos que às vezes cato
Pra registrar em algumas linhas
São palavras que foram minhas
Antes de escrever a poesia
Mas agora, por rebeldia
São do mundo, como andorinhas

Voa meu verso...
Bem alto...
Corcoveia e dá-lhe salto
Galopa pelos quatro cantos
Mostra a todos seus encantos
Diz de mim mais do que escrevi
Porque com certeza eu senti
Mais do que pude expressar
Com palavras do meu linguajar
Do pouco que na vida aprendi.


Leandro da Silva Melo






terça-feira, 25 de setembro de 2012

Velha Figueira

VELHA FIGUEIRA


As águas calmas do açude
Espelham a velha figueira
Numa imponência altaneira
Que até o campo respeita
E o gado, quando se deita
Por debaixo de seus galhos
Vislumbra por seus retalhos
Imagens do firmamento
Apreciando o céu por momentos
Enquanto lambe o orvalho

Figueira de tantas histórias
Com os braços sempre estendidos
Protege os desprotegidos
Das intempéries do tempo
Acalma águas e vento
Debruçada no campo nu
E ao assobio do Anu
Se infla como pousada
No descanso e na mateada
Acalentando o xiru

Velha figueira pampeana
Enquadrada em qualquer moldura
Faz parte da imagem mais pura
Que temos em nossa lembrança
Quem, nos tempos de criança,
Nunca brincou nos teus galhos?
E até mesmo te deu uns talhos
Rabiscando uma inicial
Dum namorico jovial
Que mexe com o imaginário

Guardas na memória do tempo
A sabedoria dos antigos
A teimosia dos amigos
Que sempre acabam partindo
E aos poucos vão descobrindo
Que tudo que buscavam encontrar
Pelo qual se dispuseram a lutar
Convergia para um mesmo caminho
O retorno da ave pro ninho
O filho de volta pro lar

A lua, em meio a teus galhos
Te dá um brilho especial
Faz parte de um ritual
De respeito e contemplação
Pois és parte do meu rincão
E um símbolo de nossa querência
Pro campeiro é referência
Divisor de sesmarias
E o mundo te reverencia
Na beleza de tua imponência.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Eu sou do mato

EU SOU DO MATO

Eu sou do mato
Onde cresce a Timbaúva
Onde o Leão-baio não tem juba
E o coice, pra mim, é afago
A lua alumiando o pago
De quando em vez, um vaga-lume
Do campo, sinto o perfume
Da hortelã e da maçanilha
E a coruja, na sua vigília
No tronco, seu posto assume

De onde eu venho
Assobia o Minuano
Das botas, só uso o cano
Os pés esparramados no chão
Meu pala é meu galpão
Meu mate é meu parceiro
Meu cusco meu companheiro
A querência é meu mundo
Do corredor à invernada do fundo
Me sinto livre por inteiro

Nos dias de chuva escrevo
No trançar do couro cru
Meu linguajar de xiru
No meu alfabeto campeiro
Sou peão e sou guasqueiro
Aquilo que tenho venero
Vou atrás e não espero
Que as coisas me caiam do céu
Sou abelha fazendo mel
Sou o grito do Quero-quero

Minha alma vive no campo
Rondando nas noites de lua
Salgando a carne crua
Preparando um charque especial
Nosso nobre ritual
Raízes de preservação
Consciência e conservação
De nossa maior riqueza
Nossa mãe natureza
Debruçada por este chão.


Leandro da Silva Melo



quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Vinte de Setembro

VINTE DE SETEMBRO

Mas bah!
Foram quarenta anos a fio
Sentindo na pele o arrepio
No peito, o coração apertado
Trazendo nos olhos molhados
A emoção, mal e mal contida
Até então, em toda minha vida
Nunca passei (isso eu me lembro)
Fora do pago num Vinte de Setembro
Pra nós, gaúchos, a data mais querida

Depois de quatro décadas
Tão longe estou do meu pago
E sempre me restou, como um afago
O retorno nesta data de glória
Pra reviver, muito mais que na memória
O sentimento da tradição gaúcha
Amigos, churrasco, adaga e garrucha
Bailes, cachaça, violão e gaita
Acordes que rebrotam dos dedos do taita
Nos tapam de alegria como um jorro de ducha

Mas bah! Desta vez estou de fora
Não pude voltar à querência
Por caprichos de uma existência
Que teima em ser redomona
Mas que não vai me atirar à lona
Pois de onde vim, aprendi
Mais vale aquilo que eu vivi
E todas as coisas que eu fiz
Pois só assim me tornei feliz
E do que não pude fazer, é que me arrependi

Pois hoje é Vinte de Setembro
Data abagualada por demais
Lembrar-nos sempre vais
Da fibra do povo gaúcho
Da simplicidade que pra nós é luxo
Da convivência na roda de mate
Do cusco que num canto late
Dos amigos, conquistas eternas
Pessoas leais e fraternas
Eternizadas nos versos do vate

Senti saudade do Rio Grande
De cruzar por sobre o Mampituba
Enxergar a bandeira verde, amarela e rubra
Sentir o aconchego de “minha casa”
Pois mesmo depois que se cria asa
E se sai por aí, em vôos distantes
Sempre lembramos de como foi antes
E por mais que finquemos morada lá longe
Viajamos em pensamento, assim como os monges
E voltamos pra casa em ventos errantes

Cruzar caminhos conhecidos
Lembrar episódios passados
E que os sonhos realizados
Foram sonhados nessa querência
E pela mescla da sua existência
Me formou assim tão guerreiro
Pra lutar pelos outros primeiro
Amordaçando, de quando em vez, o egoísmo
Aflorando, de repente, um xucrismo
De quem tem um sangue campeiro

Mas neste Vinte de Setembro
Eu não voltei pra minha terra
Eu sei que meu peito berra
Sentindo falta de lá
Mas neste ano, fico por cá
Porém, não é definitivo
E pro ano que vem tenho mais motivo
Pra visitar minha querência
Pois não terei muita paciência
E estarei mais emotivo

Portanto peço aos amigos
Que o respeito ao Rio Grande
Que pelo país se expande
Seja exaltado nesse dia
Que só ao lembrar arrepia
Que a cento e setenta e seis invernos
Iniciava, dos conflitos internos
Aquele que mais nos orgulha
E ainda hoje mantemos a fagulha
Que transformou-nos em gaúchos eternos.


Leandro da Silva Melo


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

De olho na tropa

DE OLHO NA TROPA

A cada mugido do gado
Renasce o Rio Grande no campo
No esbugalhar dos olhos, o espanto
De quem vem tocado na tropa
Ao lado, o campeiro galopa
Conduzindo o rebanho no grito
Provando que mais do que mito
O gaúcho é um centauro de fato
Carregando sua tropa com tato
Tocando a vida a despacito

Não há quem esqueça a imagem
De uma tropa num corredor
A beleza e o esplendor
Do bater de cascos na terra
Do terneiro que junto à mãe, berra
Do comboio que se empurra com o peito
Troteando de qualquer jeito
Em direção a um destino qualquer
Seja o caminho que vier
Tanto faz, largo ou estreito

O caminho à frente se espicha
Tal qual o fio de baba que escorre
Dos beiços do gado que corre
Deixando pra trás a poeira
Enquanto uma ou outra terneira
Emparelha com a mãe, assustada
Pelos cuscos já vem acossada
A pouco se perdeu lá atrás
E por sorte, assim no más
Não se cortou na cerca afiada

É por conhecer de tropeada
Que no corredor se usa fio liso
Mas, às vezes, alguém, sem aviso
Coloca um arame farpado
E isso, pra quem toca o gado
Pode ser prejuízo ou perigo
Porque um enrosco num arame, lhes digo
É uma volteada bem braba e bem feia
Vai cavalo e o índio apeia
Podendo se quebrar, o amigo

Sem contar o corte no bicho
Se o destino é o matadouro
Um talho fundo e o couro
É refugado no curtume
E mesmo que serventia se arrume
Não vai valer muitos pilas
E recortado, vendido nas vilas
Pra fazer capacho ou banqueta
Virando coisa sotreta
Que compram, fazendo fila

Por isso que a tropa de gado
Tem que ser tocada a capricho
O cuidado com cada bicho
Como se fosse um irmão pequeno
Um vai adiante, no terreno
Buscando o melhor caminho
Os outros cercando, devagarinho
Cuidando pra não estourar
Porque se a tropa descambar
Tu podes chegar sozinho

É por essas coisas da lida
Que a escolha do capataz
Recai em quem é capaz
De tratar o gado com amor
Pois, atrás do fiador
Envereda por vez o ponteiro
Puxando o sinuelo primeiro
E os que escapam da peonada
São repostos na paletada
E assim segue o tropeiro

Às vezes a jornada é mais longa
Vai direto pro matadouro
E o mugido do gado é um agouro
Ecoando na pampa sulina
Avisando pros demais sua sina
Outras vezes é só troca de pasto
Nesse nosso Rio Grande vasto
Mudando o gado de invernada
Lida que não troco por nada
Pois isso é vida, o resto é tempo gasto.


Leandro da Silva Melo






sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Tempo feio

TEMPO FEIO


Bastou entrar setembro
E o tempo já foi mudando
O sol forte e o céu limpando
Prenunciavam a Primavera
Mudavam a cara tapera
De um inverno encardido
Um agosto descolorido
De muita chuva e umidade
Que não vai deixar saudade
Nem precisava ter existido

Fazia tempo que o inverno
Não se mostrava assim tão nojento
De mau-humor e lamuriento
Parecendo querer marcar
Nas almas o seu passar
Esquecendo que é itinerante
E que as estações que vem por diante
Vão levá-lo ao esquecimento
E a tristeza e o sofrimento
Serão sentimentos distantes

Pra que tanta água em pouco tempo?
Pra que tanta fúria sobre este povo?
Quisera começar de novo
De uma maneira mais branda
Mostrando que é tu que mandas
Mas com categoria
De uma forma sadia
Uma chuva, um friozinho, até uma neve
Mas de uma forma breve
Era só o que a gente queria

Já não tens uma fama tão boa
Muitos nem gostam de ti
E na oportunidade de te redimir
Que te é dada a cada ano
Insistes no modo insano
De descambar sem limites
Deixando a todos tristes
Pelo teu modo de agir
Que sem pensar nem sentir
No erro ainda persistes

Mas não te abichorna, tempo véio
Terás logo ali outra chance
E, se lembrar, assim de relance
Vai ver nos tempos passados
A importância dos teus legados
De quando soprava o Minuano
Bendito vento aragano
Que decidiu muita batalha
Fazendo do poncho, mortalha
Dos que lutavam com pouco pano

Mas hoje, inverno bagual
Já não trazes o vento de antes
O Minuano que vinha dos Andes
Se desvia pelos caminhos
E os ventos, outrora sozinhos
Hoje trazem nuvens carregadas
Que se libertam, debruçadas
Por sobre os estados do sul
Escondendo, por dias, o azul
do céu, onde estão penduradas

E é este mesmo céu que agora vejo
Num azul já visto a milênios
Servindo pra nós como prêmio
Por mais um inverno que acaba
Lá se vai uma estação braba
Vem chegando o tempo de flores
Rebrotando do chão os amores
Que sentimos por nossa terra
E que nenhum inverno encerra
Por mais que nos traga dores.


Leandro da Silva Melo

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Rastros de prata

RASTROS DE PRATA


Lua linda e querendona
Ilumina rancho e morada
Lá no céu dependurada
Vigiando campo e potreiro
Traz nas sombras dos terreiros
Fantasmas de minha ilusão
Ao ofuscar do teu clarão
Por nuvens despretensiosas
Que se tornam vaidosas
Ao se verem lá no chão

Mas quando o céu está limpo
E a lua está bem cheia
O índio velho boleia
Pensamentos pro horizonte
Mirando acima dos montes
O belo farol que ilumina
E emoldura a nuance das chinas
Debruçadas no parapeito
Enfeitiçadas com esse seu jeito
De doce e meiga menina

É quando tu vestes prata
Que a querência fica mais linda
E tu mais bonita ainda
Por entre galhos e espinhos
Vai clareando os caminhos
Refletida em águas calmas
Acalmando nossas almas
Ao bombear tua beleza
Esquecemos as tristezas
Nossos medos, nossos traumas

Nos tempos de guri no campo
Sempre que era lua cheia
Já diziam: Não te fresqueia
Que é noite de lobisomem
Hoje cresci e tornei-me homem
Que não tem medo de bruxaria
Seja de noite ou de dia
Campeio até o horizonte
Subo e desço montes
Até onde a lua alumia

Sigo teus rastros de prata
No corredor de chão batido
Escuto das esporas o tinido
E o bate cascos do meu cavalo
Na mala de garupa um regalo
Para adornar minha prenda
Pois quando chegar na fazenda
Sei que vai estar me esperando
Olhando a lua, mateando
Enfeitando o vestido com renda

E assim, nestas noites claras
Iluminadas quando tu brilhas
Vou seguindo na vigília
Cuidando do que é meu
Pois se o Patrão Velho me deu
Prenda, cusco e querência
Porquê querer outra vivência
Distante de tudo isso
Se aqui ainda tem o feitiço
De amores, luares e decência.



Leandro da Silva Melo






domingo, 9 de setembro de 2012

Mais fundo que o talho

MAIS FUNDO QUE O TALHO



Tapado de judiaria
Uma dor que vem lá de dentro
Muito além do ferimento
Muito mais fundo que o talho
Como o estalar de um galho
Zunindo lá dentro da carcaça
Uma dor que não rechaça
A lembrança mais insistente
Do corte ainda latente
Do caçador que virou caça

Assim pensa o bagual
A pouco florão de tropa
Agora, a lo léo, galopa
Buscando um tempo passado
Escorado na aramado
Dos corredores do pensamento
Aflito, por um momento
Como vai ser daqui por diante
Nada será como antes
Sem emoção, sem sentimento

O tempo passa e não volta
Só temos o tempo de agora
A vida não aceita escora
Nem se trava com ferrolho
Aquilo que eu planto, colho
Se a semente for ruim
O que irá germinar, no fim
É aquilo que eu não queria
O que é bom se faz dia-a-dia
Espero pros outros o que quero pra mim

Mas afinal de contas
O que tá feito, tá feito
Já não tem outro jeito
A não ser viver com isso
No ontem, eu era petiço
Depois ponteiro de canchas retas
Por fim, bagual de cumprir metas
Agora, depois de um talho
Me deixaram no orvalho
Nas noites frias e quietas

Eu sei que bicho não tem direitos
Cumpre o que lhe é mandado
Mas pior que um soldado
É peça perdida na guerra
Que mesmo depois que encerra
Ninguém volta pra buscar
Querem é descartar
Como quem joga papel no lixo
Mas saibam que todo bicho
Gostaria de um dia voltar

E agora, meu parceiro
Te pergunto: O que foi que te fiz?
Pra me deixar infeliz
Em um segundo, pra todo e sempre
Nunca mais haverá semente
Numa dor que tonteia e dopa
No curativo, o sangue que ensopa
É o mesmo que correu em minhas veias
Quando te salvei de tantas peleias
Ponteando por entre a tropa.


Leandro da Silva Melo



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Parceiros

PARCEIROS

Num final de tarde
Um roncar de gaita
Num tranco velho de taita
Nos leva pra longe daqui
O pensamento viaja por aí
Recordando andanças passadas
Por nosso Rio Grande, alçadas
Num tempo um pouco distante
O que não proíbe que um pouco adiante
Tracemos novas jornadas

Um mate, um trago e um tempo
É suficiente pra desencilhar o pensamento
Deixar pastando a contento
Sugando a seiva das idéias
Ruminando histórias e epopéias
Vividas pelos irmãos da pampa
Que hoje se reflete e se estampa
No caráter do Sul Rio-Grandino
Fazendo de nossa história nosso hino
Que se acolhera e se descampa

Me bateu uma saudade do pago
Do cheiro de campo e do mato
Dos fandangos, das pilchas e do trato
Que só os parceiros do Sul sabem conceder
Um jeito gaúcho de se viver
Com amizade, parceria e companheirismo
Sem maldade, falsidade ou bairrismo
São parceiros tratando com amigos
Preservando até a honra dos inimigos
São raízes advindas do xucrismo

Poucas vezes me senti assim
Desprovido de parcerias
Peito apertado e em agonia
Lembrando as coisas do pago
Lembranças boas que trago
Que nessa hora me apercebo
Que nesse trago que bebo
Me fundamenta o pensamento
E me torna nesse momento
Campeiro na carne e no sebo

Trago o Rio Grande na alma
No meu jeito xucro e verdadeiro
Procurei por aqui velhos parceiros
Não encontrei, só vi soberba e malícia
Quase formando uma milícia
De desregrados de nossa cultura
Trouxeram mágoas e agruras
Fiquei infeliz e sofri
Mas passei por cima e sorri
Sem manter a amargura

Hoje temos exemplo
Um qüera forjado no pago
Poeta, das palavras um mago
Palanque dos ideais farroupilhas
Fazendo, na raça, suas trilhas
Com coragem, respeito, sem medos
Conhece o profissional e o arremedo
Forjando sua história com histórias
Marcando seu tempo com glórias
E será reconhecido, mais tarde ou mais cedo

A este parceiro que cito
Respeito, admiração e carinho
Um abraço ao amigo Toninho
Patrão do Querência da Meia-Lua
CTG com alma xirua
Encravado na Ilha da Magia
Mesclando cultura e etnia
Refletindo aqui nosso chão
Confirmando nossa tradição
De amizade, caráter e alegria.



Leandro da Silva Melo







sábado, 25 de agosto de 2012

Minha prenda

MINHA PRENDA

Se foi mais de uma década
Desde que conheci minha Maria
E o mais incrédulo dizia
Não vai durar muito tempo
Mas servimos de exemplo
Pra muita gente sem tino
Que vive por aí em desatino
Por não saber onde quer chegar
Vê a felicidade passar
E não reconhece o seu destino

Fizemos nossa história
Traçamos planos à frente
Mexemos braços e mentes
Mas, principalmente, ligamos os corações
Unimos as emoções
E construímos nosso ranchinho
Com amor, respeito e carinho
Moldamos nossa jornada
Eu e minha prenda amada
Percorrendo nosso caminho

E agora te digo, minha prenda
Que bom ter te encontrado, lá atrás
Lembranças tão boas me traz
Um terço da vida unidos
Um tempo muito bem vivido
Por ter a ti ao meu lado
Talvez de um jeito inusitado
A vida nos traçou caminhos
E haverá de nos deixar juntinhos
Com a alegria do sonho realizado.


Leandro da Silva Melo

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Quando a noite se faz dona

QUANDO A NOITE SE FAZ DONA


Cai a noite sobre o campo
Um véu de sombra aveludado
Que desliza desfraldado
Como um manto enegrecido
Num anseio desmedido
Tapando campo e capões
E nem o espichar dos moirões
Na tentativa insana de fuga
Escapa da escuridão que suga
Do céu, os últimos clarões

Noite seca, poucas nuvens
O frio aguardando na espreita
A geada que logo se deita
E embranquece o capinzal
Enfeitando de natal
Os campos a pouco floridos
E que agora adormecidos
Emudecem no silêncio noturno
E acordarão no outro turno
Com cantares e com mugidos

Restam sombras e nuances
Em tons variados de negro
Corujas e morcegos
Se aventuram pelos campos
Mariposas e pirilampos
Tracejando acrobacias
Ignorando as noites frias
Seguindo o seu instinto
Como voar num labirinto
Sem ter setas ou sem ter guias

As angústias do poente
Se acalmam na madrugada fria
E pelo clarear do dia
Se transformam em horizontes
Bebendo direto das fontes
No gotejar do folharedo
Na cerração que nos traz medo
Lembrando almas e bruxas
Ou a fumaça das garruchas
Das peleias no chinaredo

Quando a noite se faz dona
Não tem mais o que fazer
Um pedaço de galpão e um trago pra beber
E a alma esquece da lida
Te traz de volta pra vida
Te renova os pensamentos
Te faz esquecer os lamentos
Em lampejos de alegria
Pra quando clarear o dia
Se eternizem esses momentos.


Leandro da Silva Melo

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Podaram os pinhos

PODARAM OS PINHOS


Podaram os pinhos
Tiraram folhas e galhos
E as pinhas que eram chocalhos
Acabaram pelo chão
Bem junto ao moirão
E à cerca de ferro frio
Onde só um bicho esguio
Pode passar por sua grade
E ficar bem à vontade
Ao sol outrora sombrio

Quando se podam pinheiros
Não se lhe tiram só pedaços
Pois a cada puaço
A cada golpe de facão
Lhes sangram o coração
E lhes ferem a imponência
Desrespeitam a vivência
Daqueles que ali se calam
Que vêem e nada falam
Emoldurando a querência

A paisagem então mudou
Do verde que ali reinava
E que a vista sempre buscava
Sobraram árvores topetudas
Esguias, magrelas e pontudas
E dos bichos que ali eu vi
Somente um casal de Bem-te-vi
Eu noto que se acolhera
Na aflição de quimera
De voltar a morar ali

Agora o sol transcende
Atravessa por entre os ramos
Permite que então possamos
Enxergar por mais além
E até avistar se alguém
Também admira os pinhos
Ou então procura ninhos
Por entre os galhos esguios
Que deixaram mais frios
O aconchegar de passarinhos

E quando bate o vento
Não existe mais um bailado
Nem um dançar moderado
Que se via quando vestidos
Hoje, das folhas despidos
Existe um balançar
No máximo, um retoçar
Mal e mal cadenciado
E por demais desencontrado
Que dá dó só de olhar

Que feios ficaram os pinhos
Podados e judiados
Esmilinguidos e estropiados
Disformes e sem essência
Mas com firme resistência
Sabem que são potreiros
Cortados ou inteiros
Usados por tropilhas aladas
Que ao alçar das madrugadas
Declamam poemas campeiros.


Leandro da Silva Melo




quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Temporais

TEMPORAIS

Senti cheiro de terra
No vento, essência pampeana
Um adoçar de lechiguana
Misturado com alecrim
No ar, cheirando a jasmim
O perfume da maçanilha
Pisoteada pela tropilha
Espantada com o vendaval
Lá vem a chuva, afinal
Lavando marcas na trilha

Olhando assim o aguaceiro
De longe, parece um véu
Que se esparrama do céu
E se encontra com o capim
Fazendo surgir assim
Pequenas vertentes d'água
Que no horizonte deságua
Formando poças de luz
Que a claridade reluz
Como a alvivez da anágua

Como é lindo olhar as folhas
A pouco tapadas de poeira
No gotejar da cumeeira
Tirando o pó que lhe cobre
No pingar da água nobre
De um chuvisqueiro guasqueado
Que se derrama trançado
Emaranhado e corrediço
Deixando alagadiço
O chão antes trincado

No terreiro, até a pouco
Haviam marcas no chão
Deixadas de antemão
Pelo sarandear da guanxuma
Agora, corre uma espuma
Mesclada e consistente
Formada pela vertente
De água que se criou
E por caminhos se esquivou
Lavando a alma da gente

O formigueiro que ali estava
Com rastros mui percorridos
Formando carreiros batidos
Pelo trilhar da saúva
Envolvido pela chuva
E a imensidão do aguaceiro
Em tumba se faz ligeiro
No afogar de mil vidas
Fechando caminhos, saídas
Transbordando por inteiro

E o cupim, com brotes secos
Em esponja se transforma
Bebendo da água morna
Que escorre do arvoredo
Que alvoroçado de medo
Se adelgaça e se esparrama
Num balancear que reclama
Dos estrondos e tinidos
Dos clarões e dos rugidos
Dos raios formando chamas

E o céu, pintado de noite
Sem estrelas a piscar
Se rasga num clarear
De um relâmpago tropeiro
Numa cor rubro-braseiro
Que ilumina o capinzal
Parecendo crinas de bagual
Alçadas de contra o vento
Num vai-e-vem pacholento
Cortejando o temporal

E assim se foi tarde à fora
Entrando pela noite à dentro
Um temporal resmunguento
Lavando coxilhas e cerros
Trazendo em meus pesuelos
Imagens a muito perdidas
Passagens outrora vividas
Das brincadeiras de criança
Dos idos de nossa infância
Brincando nas águas da vida.


Leandro da Silva Melo

sábado, 4 de agosto de 2012

Chimarreando

CHIMARREANDO

No velho fogo campeiro
Aquento a água pro mate
Em roda, um cusco que late
Sempre presente... companheiro
Talvez também sinta aquele cheiro
De erva buena cevada ao relento
Erguendo aroma de mato ao vento
Trazendo consigo lembranças... taperas
Levando verdades, um tanto sinceras
Mas deixando a alma, que com mate aquento

Do cerne das matas se iguala
Em cores, tons e até no cheiro
Com verdes e mais verdes por inteiro
Com sabor e espuma baguala
Que o índio sorvendo, nem fala
Redemoinhando pensamentos mal-domados
Como fletes xucros ainda embretados
Atropelando pra sair da mangueira
Lembrando da vida campeira
Com a cuia e o pala enlaçados

Por quantas vezes solito
Em ti encontrei parceiro
Por ter este jeito campeiro
Até muitos te acham esquisito
E não reconhecem teu valor infinito
Da água quente cevando a erva cheirosa
Em roda do fogo, lembrando uma prosa
Daquelas cuiudas... bem galponeiras
Olhando ao céu a estrela boieira
Enganando a solidão, um tanto manhosa.

Leandro da Silva Melo




sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Meio xucro


MEIO XUCRO


Saí da grota
Num passo largo de conquista
Campo a perder de vista
Macega de fazer tufo
O Pingo, um respira e bufo
Espumando na perna do freio
Me fui, teatino, sem receio
De encarar a vida de frente
E se até um raio cair de repente
Eu prossigo, atorado ao meio

Quando tô assim, decidido
Não tem quem me faça parar
Não tem essa de escutar
Conselhos e mau agouro
Pois aprendi com o sorro
A me esquivar pela sombra
E se cair um aguaceiro, uma tromba
Sigo, seguindo a maré
E seja como o patrão velho quiser
Pois nada no mundo me assombra

Tapeei o chapéu na testa
Como quem bate em mutuca
De perto ninguém me cutuca
De longe ninguém se atravessa
Pois se pedir o mango endereça
No meio do chifre do qüera
Que esparrama igual quirera
Procurando por onde sair
Porque sabe que o que está por vir
É pior que enfrentar uma fera

Sou calmo, tranqüilo e paciente
A paz ressonando no espaço
Mas se me tirar pra palhaço
O tempo logo se enfeia
E pra começar a peleia
Por muito pouco me custa
E dá-lhe pau já me gusta
No velho ritual pampeano
De fio, de plancha e de cano
Tem índio que só no olhar se assusta

Não tenho maldade no sangue
Até gosto da companheirada
Mas tem gente endiabrada
Que parece que nasceu pra incomodar
Esse tem que apanhar
Mesmo sabendo que não vai dar jeito
Mas batendo com o esquerdo e o direito
A alma fica lavada
E o desgraçado, com as fuça inchada
Vai te olhar com mais respeito.


Leandro da Silva Melo






quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Meu Porto

MEU PORTO


Meu Porto, minha morada
Cidade oitavada de luz
Capital que ao progresso conduz
O vivente chegado de fora
Que olha com espanto o agora
Tão longe de imagens da lida
Fazendo da chegada a saída
Pra um mundo sonhado em querência
Transformando sua vivência
Num novo modo de vida

Caminhos não hão de faltar
Pro índio não ficar ausente
Pois quem vem das bandas do poente
Se depara com uma baita estrutura
Suspensa nas águas escuras
De um Guaíba que nos faz costeado
E depois deságua afogado
Na Lagoa, bebedouro sulino
Lembrando ao mais teatino
As vertentes de nosso passado

Mas não é somente esta Ponte
O acesso à Capital dos gaúchos
Pois quem nasce numa terra sem luxos
Por todo este pago troteia
Vai lá pras bandas da areia
No nosso litoral imenso
E nos altos da Serra suspenso
O quera se achega a galope
Mas de vez já volta num trote
Para um Porto sem marca e sem lenço

E pra quem vem das Missões e Fronteira
São vários os caminhos por vir
Pois quando o quera quer ir
Não importa o rumo escolhido
O que importa é ter vencido
Distâncias, desvios e agruras
Trazendo pra cá as canduras
De um povo leal e fraterno
No espelho de um mundo moderno
Mesclando a Capital de cultura.

Leandro da Silva Melo


terça-feira, 31 de julho de 2012

Simplesmente gaúchos


SIMPLESMENTE GAÚCHOS

Tem gente que não tem alma
Outros não tem coração
Mas quem não tem tradição
Fica vagando pelo mundo
Num camperear rotundo
Sem ter eira nem beira
Perdido de uma maneira
Que até chega a dar dó
Atarantados no meio do pó
Sem seguir nenhuma bandeira

Do passado pouco sabem
E até mesmo não se importam
Ironia é o que comportam
Em suas mentes vazias
Criadas na hipocrisia
De falsa sustentação
Pois quem foi cria de galpão
Cheirando o picumã do braseiro
Sabe o que é ser brasileiro
E ama esse seu chão

Destas pessoas que falo
Afogadas na ignorância
Manobradas na inconstância
Do poder do endinheirado
Nunca aceitaram o brado
E a luta do povo gaúcho
Que em farrapos e queimando cartucho
Peleou pela querência
Na mais pura continência
Sem almejar o luxo

Ser gaúcho é mais que herança
É uma opção de vida
É uma emoção incontida
Difícil de explicar
Não tem como narrar
Usando as palavras frias
Pois só olhando a geografia
E o formato de coração
Entende que essa nação
É alma, paixão e poesia

Todo gaúcho é poeta
Do xucrismo sul rio-grandino
Pois traz no sangue o refino
Das peleias lutadas sorrindo
Do talho da adaga, que abrindo
Os horizontes das plagas gaúchas
A ferro, fumaça e garruchas
Foi moldando esse chão brasileiro
Com um perfil bagual altaneiro
Amparado na pólvora, na bala e na bucha

Não me nego a estender o braço
Pra quem precisa de fato
Pois isso não é um simples ato
Que possa ser feito sem consciência
É do povo gaúcho a decência
E a amizade para com os amigos
O respeito aos inimigos
Sem nunca curvar a espinha
E sem alarde, nem ladainha
Como faziam os mais antigos

Altivo por sobre um palanque
Com olhar fixo no futuro
Olhando acima dos muros
De pedras formando mangueiras
Espraiando à sua maneira
O conhecimento a muito aprendido
Que nunca fica contido
Em falácias de pouca expressão
Vai forjando a ferro e facão
A esperança para o desiludido

Com uma postura de rei
Que leva consigo seu povo
Sem achar que seja estorvo
Defender seus comandados
Clama e é aclamado
Por seus feitos e atitudes
Sejam tenras ou sejam rudes
As ações ficam no tempo
Marcadas no lombo do vento
E repetidas por quem não se ilude

Não é fácil falar desse povo
Com tanta riqueza de história
E às vezes me falta memória
E até mesmo conhecimento
Mas o que vem no momento
É o que trago por verdade
Reunindo simplicidade
Tenência e sensatez
Encontro no Português
Um resumo: identidade

É isso que sente o povo gaúcho
E aqueles que nele se inspiram
Identificam-se e compartilham
De uma mesma vertente de ideais
Sabem que os problemas são reais
E com firmeza tem de ser combatidos
Hajam mortos ou feridos
A vitória não vem com facilidade
Mas traz consigo a felicidade
De sermos um povo unido

Um Viva! a gaúchos e gaúchas
De todas as querências e pagos
Que em seus pensamentos mais vagos
Viajam pelo interior do pampa
Desfraldando a Bandeira, a estampa
Cavalgando em pelo, sem luxo
Dançando num baile, num estica e te puxo
Abraçados a mais simplória verdade
Que todos somos na realidade
Simplesmente GAÚCHOS.


Leandro da Silva Melo

domingo, 29 de julho de 2012

Namoro de galpão

NAMORO DE GALPÃO


Tenteando um rabo de saia
O quera se descaminha
É que nem galo de rinha
Bicado pelo pescoço
Não importa o alvoroço
Nem que a coisa fique quente
Ninguém aqui é semente
E vai acabar no fim
O que tá reservado pra mim
Só vou saber lá na frente

É um cochicho lá num canto
Um olhar meio de lado
E o namoro tá fadado
Num bolicho de galpão
E o índio de antemão
Vai pensando o que dizer
_ Como está vós mecê?
Não é uma frase tão boa
Então o índio ecoa:
_ Buenacho encontrar usted!

A guria se estremece
E a emoção se aflora
Nos lábios, batom cor de amora
Nos cabelos, perfume dos campos
Destilando seus encantos
Num remexer de anca
Coisa linda, a potranca
No desabrochar da idade
É pura vaidade
De todos, suspiros arranca

Não é fácil aparar o toso
De china linda e faceira
Que sabe, de vez primeira
Todo o encanto que tem
Só de olhar já faz bem
Embriagando o peão, sem bebida
Que já fica de asa caída
Ciscando em volta da rinha
Esperando a hora certinha
De fechar o cerco, sem deixar saída

Não é garantida a pealada
A china pode ser arisca
Mas se o quera não arrisca
Não tem como saber
A linda pode não querer
E dizer um não de primeira
Mas depois da segunda ou terceira
E bem pensadinho, de fato
Lembra que ovelha não é pra mato
E juventude não é pra vida inteira

O peão não é assim, tão descarte
Vai pensando a china consigo
Talvez esteja ali o amigo
Companheiro, parceiro e amante
Que dos dias, daqui por diante
Vai fazer parte da vida
Na lida, fácil ou sofrida
Não importando o que está por vir
Mas sim, o belo sentir
De amor, carinho e guarida.

Leandro da Silva Melo




sábado, 28 de julho de 2012

Mate amargo

MATE AMARGO

Verde como as coxilhas
Que se perdem no horizonte
Muitas vezes já foi fonte
De inspiração do campeiro
Por trazer neste teu cheiro
De mata crioula e do pago
Um sabor de doce amargo
E as tradições da campanha
Junto com um gole de canha
Formando parceiros de trago

Chimarrão e cordeona
Que parceria baguala
Quando se entra na sala
E se encontra esses parceiros
Aquerenciado com estes gaiteiros
E a postos, no fogo de chão
Dentro de um velho galpão
De pau a pique barreado
Num sentimento entreverado
De charla, poesia e canção

E com a china
Parceira de nossos dias
Dividindo alegrias
Tristeza, sonho e emoção
Cevando, junto ao coração
Sorvendo a felicidade enraizada
De ter ela como amada
Dividindo o porongo moreno
Tornando este mundo pequeno
Não se importando com mais nada

E assim se passam os dias
Num sorver de gole pequeno
Na cuia um tom mui moreno
Na erva a esmeralda reluz
Parecendo cavernas sem luz
Banhadas por água aquecida
Onde o mais rude pede guarida
E se rende de mãos postas a matear
Não importando quanto tenha a lutar
Mas sim a alegria da vida.

Leandro da Silva Melo

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Raízes


RAÍZES

Quando se abre a porteira do mundo
Pro Índio que vive aquerenciado
Ressurge um animal mal-domado
Que se vê livre da encilha
Fazendo seu mundo, sua trilha
Calando fundo sua marca
Como a água da chuva que encharca
Se espraiando por todo lado
Mas deixando o traçado
Num rio, como uma barca

Pra uns, saiu sem rumo
Pra outros, não sabe onde vai
Mas ele sabe que quando sai
Do seu chão enraizado
Vai buscar em outros lados
O que aqui não encontrou
Mas nem por isso o que deixou
Vai ficar no esquecimento
E como a trançar tentos
Vai recordando o que ficou

Foram amigos, família e momentos
Coisas que não se apagam da mente
De vez em quando, num repente
Aparecem emoldurados
Em pensamentos revelados
Como em fotos antigas da lida
Trazendo de volta uma vida
Que já faz parte do passado
Mas que anda sempre ao nosso lado
Em recuerdos e saudade contida

O campeiro não se ilude
Sabe que os tempos são outros
E assim como os potros
Corre xucro contra o vento
Apreciando cada momento
Na construção de uma nova era
Sabendo que o tempo não zera
Não para e não retorna
E o mundo que hoje o contorna
É diferente do que ele quisera

Pudera mudar o tempo
Viver a vida ao contrário
Ao invés do imaginário
Trilhar um rumo sabido
Não já por te vivido
Nem saber por boca alheia
Mas ir tecendo sua teia
Com a certeza das aranhas
Que conhecem todas as manhas
De toda a vida, a vida inteira

Não me arrependo de nada
Tudo que fiz foi valioso
Talvez nem tão virtuoso
Quanto o que alguns quisessem
Mas também, se me dissessem
O que esperavam de mim
Não teria sido assim
Do jeito que foi vivida
E de nada valeria a vida
Se não almejássemos um fim

Traçamos objetivos
Lutamos por nosso espaço
E a cada golpe e puaço
Que damos no lombo do tempo
Ficamos com o sentimento
De uma guerra bem guerreada
De uma luta bem truncada
Que dá gosto só de olhar
Muito mais participar
Forjando nossa jornada

E assim, o tempo que passa
É o tempo que já não temos
É um livro que já não lemos
Por conhecer sua história
Mas a vida não é simplória
E nos coloca em ebulição
Quando saímos do nosso chão
Em busca do futuro incerto
Mas deixando sempre por perto
Alguém para estender a mão

O lugar não é mais o mesmo
As pessoas desconhecidas
Mas quem garantiu que nestas idas
Haveria tranquilidade
Afinal, cá na cidade
É bem diferente do campo
E nosso único acalanto
É trazer os sentimentos
De ter vivido momentos
De alegrias e outros tantos

Quem um dia segue seu rumo
Traçado pelo destino
Não será um teatino
Perdido nos corredores
Pois terá em seus amores
A força infinita da vida
Conduzindo sua lida
Como quem conduz seu tesouro
Pois mais valioso que o ouro
É sua família querida.

Para Maria (esposa), Guilherme (filho) e Negão(cusco).

Leandro da Silva Melo

terça-feira, 24 de julho de 2012

Pra onde te vais, guri?


PRA ONDE TE VAIS, GURI?


Pra onde te vais, guri?
Não conheço teu caminho
Mas te quero com carinho
Como sempre antes te quis
Quero te ver feliz
Nas conquistas de tua vida
Que não seja tão sofrida
Como a do teu velho pai
Que pelo caminho, se vai
Sendo falquejado na lida

Pra onde te vais, guri?
Tento prever teu futuro
Que pode não ser seguro
E imprevisível também
Afinal, pra conseguir ser alguém
E fazer seu próprio destino
Às vezes, tem que ser teatino
E soltar as amarras do tempo
Empurrando nossos sonhos ao vento
E deixando de ser um menino

Pra onde te vais, guri?
Estou aqui te olhando
Não que esteja enxergando
Teu rosto de piá em minha frente
Mas tenho tua imagem na mente
Das coisas que fostes aprendendo
E aos poucos vou remoendo
Uma saudade lá dentro contida
Que no peito me faz guarida
E cada dia mais vai crescendo

Pra onde te vais, guri?
Te vejo agora homenzito
Um moleque esperto e bonito
Ganhando asas ao mundo
E eu sei que lá, bem no fundo
Tu fostes criado pra ele
Um dia, então, serás dele
E terás oportunidades surgindo
Portanto, vais te prevenindo
Pra escolher entre os mundos, este ou aquele

Pra onde te vais, guri?
Dos mundos, o meu já conheces
Pois é nele onde agora, tu cresces
Germinando uma semente enraizada
Que ao seguir teu rumo, será arrancada
Deixando pedaços no fundo
E também rastros profundos
Que se fecundarão em brotinhos
Que brotarão pelos caminhos
Emoldurando outra vez nossos mundos.

Leandro da Silva Melo



segunda-feira, 23 de julho de 2012

De fundamento

DE FUNDAMENTO

Mas que barbaridade...
O mundo não tem o mesmo feitio
Cada um com seu jeito arredio
Troteando como bicho na tropa
No pensamento, um vazio que dopa
Traiçoeiro como cobra enroscada
Na espreita, em alguma picada
Tenteando a hora do bote
Com veneno pingando da glote
Brotando, da guela engasgada

Tem gente de todo tipo
E o mundo não te dá carona
Tal qual égua redomona
Corcoveia pra te derrubar
E se tu não te agarrar
Em teus princípios como palanque
Firmando num tempo estanque
O caráter já demarcado
O orgulho firme e formado
Ceifam teus passos até que tu manque

São poucos os amigos de fato
Muitos são os conhecidos
Vários os prevalecidos
Na frente, te apertam a mão
Pelas costas, te dão o tirão
Num manotaço de pata e meia
Não tem coragem pra peleia
E só agem de forma mesquinha
Pelos cantos, pelas costas, em turminha
Se não for forte, o índio apeia

Mas o tempo é o grande remédio
Pra todo mal que existe
A princípio, se fica triste
Depois se analisa o fato
E vê que tal desacato
Provém de gente sem eira
Sem limites e sem beira
Mal criados num mundo vadio
Sem essência, cultura e vazio
Desconhecem raiz e bandeira

Por isso, sigo na estrada
Me importando com os amigos de fato
Pra eles, escrevo e relato
Palavras do coração
E explico, com toda a emoção
Que minha forma sisuda de ser
É arma e escudo ao defender
Aquilo que aprendi ser importante
Princípios e caráter são o bastante
Pra quem quiser me conhecer.


Leandro da Silva Melo








sábado, 21 de julho de 2012

Meu cusco, meu amigo

MEU CUSCO, MEU AMIGO


Corri os olhos na pampa
Em busca de algo perdido
Reconheci o desconhecido
Na sombra do meu cavalo
Um cusco de pelo ralo
Troteando meio de lado
Alegrito e desconfiado
Como cego com amante
Mas, acima de tudo, confiante
De um amigo ter encontrado

Corria um pouco na frente
Mas não se distanciava do baio
De quando em vez olhava a soslaio
Pra ver se eu ainda vinha ali
Num trotezito guasca-tupi
Soltando a rédea e o freio
Embalando sem receio
Dando ao cavalo seu tempo
Soltando as crinas ao vento
A despacito, sem parar rodeio

O cusco, às vezes, parava
Sentava de meia bunda ao chão
Se coçava como quem toca violão
Dava uma cheirada em tudo
E levantava, ligeiro e topetudo
Olhando para o horizonte
Corria em direção à fonte
Que jorrava ali, perto da estrada
E entrava na água, mui gelada
Que cruzava por debaixo da ponte

Um pouco bebia de língua
Um pouco se molhava ao todo
Não importando se água e lodo
Se misturavam pelo riacho
Saía balançando o cacho
Jogando água pros lados
E, da orelha ao rabo empinado,
Se estremecia, tirando o excesso
E no final, sem muito sucesso
Se esfregava na grama, emborcado

Este é o cusco campeiro
Acostumado com mato e macega
Tapado de pega-pega
Não esquece o rumo do rancho
E quando chega, de carancho
Se infiltrando na churrascada
É assunto da peonada
Que logo lhe atiram um osso
E ele já sai num retoço
Faceiro em direção à ramada

Um cusco é um parceiro
Companheiro pra toda hora
Nem brigado vai embora
Fica triste, mas rodeando
E parece esperando
Quando vamos chamá-lo de novo
E nos acha no meio do povo
Seja por faro ou por instinto
E se apega de um jeito indistinto
Como a galinha se apega ao ovo

Ter um cusco é ter um amigo
Que todos os dias te espera
E por mais que pareça uma fera
Te encontra abanando o rabo
E tu esqueces o dia brabo
Ao ver o teu amigo feliz
E saber que só o que ele quis
E esperou o dia inteiro
Foi pra te encontrar primeiro
Como num retrato de alma e matiz

A felicidade dele é sincera
Se não gosta, late e se bota
Mas se gosta, é amigo pra qualquer rota
Companheiro de qualquer campereada
Junto desde a madrugada
Até o apagar do braseiro
Muitas vezes é o primeiro
A dar o aviso de sentinela
E se esganiça, abrindo a guela
Para defender seu parceiro

E é por isso que toda vez
Que apronto uma carne pro fogo
Não esqueço as regras do jogo
E incluo meu amigo na lista
Que com um latido me dá uma pista
Que vai esperar por um osso
Deitado e sem alvoroço
Parece gostar das campeiras
Ressonando ao som das vaneiras
Fazendo o estilo bom moço

Meu cusco, meu amigo
Muito eu devo pra ti
De tudo que eu já vivi
Nunca encontrei melhor parceiro
Sempre alegre e faceiro
Esperando por um carinho
E mesmo ficando sozinho
Na maior parte do dia
Extravasa sua alegria
Ao me ver apontar no caminho.

Leandro da Silva Melo







sexta-feira, 20 de julho de 2012

Ilha que encanta

ILHA QUE ENCANTA


Moro numa querência
Por demais linda e faceira
Floripa é a terra primeira
Escolhida pelos sulinos
Nestes verões teatinos
Une povos e nações
Dos mais distantes rincões
Do Chile, Brasil, Argentina
Transformam essa menina
Na musa de nossos verões

Tem na sua paisagem
Uma beleza trigueira
Numa estampa brasileira
Mesclada com “los hermanos
Chilenos, Uruguayos, paisanos”
Povos da mesma terra
Que na essência se encerra
Por serem da mesma cria
Uma América Latina bravia
Moldada na peleia e na guerra

¡Oh, Floripa, tu és muy guapa!
Tens praias, campos e cidade
Tens uma capacidade
De agradar a todos passantes
De atrair pra ti viajantes
Que se deslumbram ao vê-la
E muito mais ao conhecê-la
Desde a Ponte Hercílio Luz
Que pra todos daqui traduz
O simbolismo da pátria sinuela

Tens ainda, no continente
Uma herança Charrua
É o Querência da Meia Lua
Semeando tradição neste pago
Matando as saudades que trago
Por deixar minha terra farrapa
Mas nem por aqui escapa
As tradições rio-grandinas
Na essência, ideias sulinas
Na forma rude e mais guapa

São praias e praias que traçam
O perfil da Ilha da Magia
E entre água calma e bravia
Percebo quanta pujança
Deixada aqui de herança
Pelo Patrão Celestial
És um rico manancial
De beleza selvagem e humana
Ilha parceira e hermana
Pra todos, és especial

Não me atrevo a citar todas elas
Pois são muitas as que não conheci
Ponta das Canas, Jurerê, Sambaqui
De índios já foi cemitério
Merece o respeito gaudério
por trazer no teu chão tal herança
Marcado a faca e a lança
Afiadas nas pedras do caminho
De Ingleses e do Santinho
Belezas, que jamais nos cansa

Mas não é só a água salgada
O que tens a nos proporcionar
Muito mais que a água do mar
Tens também a água doce
Numa moldura que, se solita fosse
Já nos encheria de emoção
É a Lagoa da Conceição
No coração do Desterro
Nome que foi primeiro
Batizado este chão

Depois virou Florianópolis
Com carinho chamamos Floripa
Que só ao pronunciar incita
As mais belas lembranças
De férias, de festas, de danças
De momentos felizes aqui
E é o lugar que eu escolhi
Pra viver meus dias futuros
Onde apliquei e vou ganhando juros
Por tanta beleza que outrora não vi

Dos percalços de nossa vida
Tu não tens nada com isso
Trabalho, incomodação, rebuliço
São coisas artificiais
Que tuas belezas naturais
Combatem no dia-a-dia
Parece até rebeldia
Que em momentos de pura tristeza
Tu nos brinda com tua beleza
E nos renova a alegria

Só me resta agradecer
Por existires, Ilha que encanta
Pertences a uma terra Santa
Nossa Santa Catarina
Que a todos os povos ensina
A herança do xucrismo campeiro
Ser um povo hospitaleiro
É tua marca de nascença
Pois tens, como tua crença
Ser o sol do sul brasileiro.

Leandro da Silva Melo





quinta-feira, 19 de julho de 2012

Cinzas de minha essência

CINZAS DE MINHA ESSÊNCIA


Ateando fogo na lenha
Atiço o pensamento
Olhando para o relento
Numa manhã de domingo
E a frase que vem do limbo
Entre o consciente e o inconsciente
De cara se faz presente
E se escancara de fato
Traçando no meu relato
Aquilo que pensa o vivente

A lenha que agora se queima
Deixando no ar picumãs
Já foi em várias manhãs
Uma árvore de importância
Como tantas outras na estância
Que fincaram raízes ao chão
Mas, como se sabe de antemão
Pra tudo há o seu tempo
E a árvore que me protegia do vento
Hoje aquece a água pro meu chimarrão

São nós, sulcos e seiva
Vícios emaranhados numa textura
Que trazem em cada uma de suas ranhuras
Históricos de sua linhagem
Traçando na casca dura e selvagem
Num linguajar pra nós desconhecido
Medos e segredos de heróis e de vencidos
Balbuciados ali, sem testemunhas
Num nascer de sol ou quando ele se punha
Presenciados pela nobreza do silêncio contido

Tantas línguas foram escritas
E até hoje são estudadas
Mas uma, sequer foi citada
É o escrito das velhas árvores
O relato de grandes mártires
Sobreviventes de muitas eras
Testemunhas de muitas guerras
Que nas rugas, cicatrizes e marcas
Contam histórias arcaicas
Do homem paz e do homem fera

O cheiro da lenha no fogo
Nos transcende a momentos de paz
O estalar de um tronco que jaz
Nos faz pensar em sua história
Na semente, no broto, na glória
No crescer, rumo ao infinito
De um céu azul, límpido e bonito
Com vista privilegiada do pago
Recebendo de pássaros o afago
Nos cortejos, nos ninhos e nos ritos

És hoje a lenha que queima
Mas não deixa de ter importância
Pois tua relevância
Se traduz na cinza que fica
Com respingos de água da bica
Que aqueço pro meu chimarrão
Na cambona no fogo de chão
Pra um amargo de longa mateada
Onde tu és hoje a iluminada
Neste braseiro na escuridão

Estas cinzas tem outros respingos
De graxa da carne quente
Dos churrascos feitos no poente
Acompanhados de gaitaço e cantoria
Que traduzem nossa alegria
De ter nascido nesse pago
De que tantas lembranças trago
Algumas até que eu não vivi
Mas que na alma eu já senti
Nos milênios que por aqui vago

Fui combatente em muitas lutas
Perdi muitas partes no campo
Por isso que hoje não me espanto
Que ao cruzar pelos pagos sulinos
Nos mais distantes rincões teatinos
Sinto que vou me encontrando
E aos poucos me completando
Juntando com as partes que trago
Aquelas que encontro no pago
E a cada passo me renovando

Por isso, hoje lhes peço
Que ao chegar a hora finita
Me brindem de uma maneira bonita
Com um chimarrão bem cevado
Com um gole de trago e um cusco ao lado
Declamem uma poesia campeira
E de uma forma bem altaneira
Me tapem com o pavilhão do Estado
E também com o manto Colorado
Que me despeço, com a alma faceira

Em seguida me transformem em cinza
Me misturem com a erva cevada
Juntem com a lenha queimada
Respingada de graxa e de sal
Me depositem na terra natal
Num metro, em qualquer propriedade
Que, se do Patrão lá de cima for vontade
Brotarei no momento exato
Mas, se daquele metro, não nascer nem mato
É que levei minha terra para a eternidade.


Leandro da Silva Melo















segunda-feira, 16 de julho de 2012

Cevando Reminiscências

CEVANDO REMINISCÊNCIAS


Venho a trote solito
E o pensamento vem ”a lo largo”
Louco por um mate amargo
E um talagaço de canha
Minha vontade é tamanha
De voltar pro pago querido
Lugar que me viu ter nascido
Bombeando o horizonte de luz
Onde a pampa verde reluz
Como a erva de um mate sorvido

O Quero-quero grita no campo
Sentinela do pampa gaúcho
Servindo sua pátria sem luxo
Sem armas e de peito aberto
Também um João-de-barro por perto
Fazendo sua xucra morada
Na beira de alguma estrada
Em cima de algum moirão
O que lhe dá satisfação
Ao vê-la erguida e barreada

Na estrada, poeira e reminiscências
Imagens na mente marcadas
Do trajeto das campereadas
De sentir o cheiro do vento
De poder se deitar ao relento
Olhando o cume dos pinhos
Procurando entre galhos os ninhos
Escutando o mugido do gado
Ecoando num descampado
Abrindo pra si os caminhos

Que bonito olhar a querência
Vislumbrar na baixada o açude
Espelho onde a lua se ilude
Se banha e se estremece
E quando o sol aparece
Espiando por entre frestas
De nuvens um quanto modestas
Ela empalidece e se esconde
Fugindo pra não sei onde
E voltando numa noite destas

Do cerro se avista a tapera
Cravada num descampado
Num feitio de pau-a-pique barreado
Que um dia já nos foi morada
Hoje se acha abandonada
Atirada a judiaria
E até o Santa-fé que lhe cobria
Se bandeou pra outros lados
Levando ‘recuerdos’ entrelaçados
Onde o Minuano assobia

Da porteira ao corredor
Lá longe a taipa do açude
Por feições o índio se ilude
E se vai embora do campo
Não sabe do desencanto
De morar na grande cidade
Onde há violência e maldade
E não há emprego pro qüera
Reconhece depois sua quimera
E volta pra matar saudade

Meu pingo parou de repente
Ergui a vista cansada
Olhei, chorei, dei risada
Estava de volta à querência
Cevando reminiscências
Remoçando sentimentos
E foi neste momento
Ao ver a porteira se abrindo
Do mundo me fui despedindo
Alçando minh’alma ao vento.


Leandro da Silva Melo

sábado, 14 de julho de 2012

Água Xucra

ÁGUA XUCRA

No galpão do velho Zica
Uma guampa reluzia
Com uma cachaça bravia
Com gosto nunca sentido
Na cor, um amarelo encardido
Curtida em barril de carvalho
Da cana cortada ao talho
Um suco bem destilado
Proveniente do melado
Com cheiro de mel e orvalho

Bastava um talagaço
Pro quera sentir o ardor
Na garganta um queimor
O peito ardendo em brasa
Esquece o rumo da casa
E se entronquera no bolicho
Querendo arrumar cambicho
Com china, prenda, percanta
Qualquer feitio lhe encanta
E se entrevera tipo bicho

Mas voltando à velha cana
Que hoje o assunto é o trago
Com sabor doce, quente e amargo
Bebida de gosto nobre
É do rico, do remediado e do pobre
A companheira de qualquer hora
Pois se a coisa tá feia lá fora
Entramos pro nosso mundo
E, do copo, achamos o fundo
Tirando o do Santo, nada vai fora

Da cana, sobra o bagaço
No moinho puxado a boi
Só sabe quem já foi
Conhecer um alambique
E não há quem não fique
Com vontade de dar uma bicada
Numa cachaça nova, tirada
No pinga-gotas do destilador
Névoa de puro sabor
Em três etapas é condensada

A primeira é muito forte
É puro álcool, é querosene
É pior que chá de sene
Misturado com laranja
Se beber, se desarranja
Afrouxa o esterco na hora
E o índio vai, sem demora
Soltando guaiaca e bombacha
Contra o vento, em grama baixa
É trinta metros, campo à fora

A segunda é ideal
Tirada no tempo certo
Guarda em barril, o esperto
Pra mudar o sabor da branquinha
Carvalho, Canela ou purinha
Pra qualquer gosto que exista
Quem faz cachaça é artista
Um dom que não tem igual
Transformando o canavial
Na bebida, bem ou mal quista

A terceira é muito fraca
Não serve nem pra remédio
O sabor não chega a médio
Se descarta logo de cara
Mas como o alambique não para
Serve pra limpar o cocho
Enquanto descansa o touro mocho
Vai pingando aquela aguinha
Com um cheiro de caninha
Mas com gosto muito frouxo

Quem bebe sabe o valor
Do primeiro gole bem dado
Porque se descer atravessado
Pode parar por ali
E não adianta insistir
Porque não vai lhe fazer bem
E nem de graça ou por vintém
Se deve continuar bebendo
Porque só mal vai estar fazendo
Pra ti e pra mais ninguém

Pra quem gosta de um traguinho
Não tem hora, nem momento
É um entretenimento
Usado de larga escala
Pro índio de pouca fala
É a parceria correta
Apesar de analfabeta
É conhecida por todo lado
E não há quem não faça costado
Com uma bebida predileta

No verão ela refresca
No inverno aquenta o peito
Bebendo com muito jeito
Cuidando pra não viciar
Se bebe bem devagar
Como quem dá boia pra louco
Se achar que o corpo é oco
Querendo transbordar o gargalo
Se entope até o talo
E bebe muito, achando pouco

O vício não é caminho
Pra felicidade do andante
Porque nunca vai ser o bastante
Por maior quantia que tome
Bebida nunca fez nome
Daquele que se embriaga
Somente a vida lhe estraga
Tornando-o um desafeto
E os amigos passando reto
E a vida ficando vaga

Por isso que digo, parceiro
Tudo que é demais estraga
O que é bom vira uma praga
Se excede o razoável
Manter uma vida saudável
Contempla tomar um traguinho
De quando em vez, devagarinho
Sentindo o sabor da ardente
Mas, sem esquecer que a gente
É um só, mas não é sozinho

Um brinde aos companheiros!
Uma parte deixo pro Santo!
Afogo as águas do pranto
Realço um sorriso puro
Dores da alma, curo
Fazendo uma reverência
Pra quem deixou sua querência
E encontra num copo de trago
Um pouco daquele pago
Bebendo da sua essência.


Leandro da Silva Melo